* Por Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz
Invocando estar diante de planejamento tributário indevido, a Receita Federal autuou uma reorganização societária que redistribuiu o parque produtivo de indústrias de um grupo empresarial, concentrando em uma única empresa, via aumentos de capital com conferência de ativos. Sendo questionado o duplo benefício que surgiu, consistente no fato de a empresa que recebeu os ativos (a) estar no lucro presumido no ano do aumento de capital, o que permitiu uma tributação mais benéfica, ainda que extrapolado o limite de receita bruta; e (b) ter prejuízo acumulado, que passaram a ser compensados nos anos seguintes, ante o incremento da sua atividade.
A autuação, então, desconsiderou os efeitos das subscrições de capital, passando a tributar, por arbitramento, como se as transferências de ativos não tivessem ocorrido.
Porém, apreciando o caso, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) constatou que a reorganização teve motivo extra-tributário e ocorreu de fato, não havendo simulação, sendo a economia fiscal uma decorrência; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 1302-001.610 (publicado em 18 de fevereiro de 2015)
REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. MOTIVAÇÃO UNICAMENTE TRIBUTÁRIA NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE SIMULAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DO CAMINHO MENOS ONEROSO. LANÇAMENTO IMPROCEDENTE.
Restou comprovado nos autos que a reorganização societária levada a efeito pela fiscalizada teve como finalidade principal a concentração de atividades em uma única entidade, sendo certo que essa reorganização ocorreu de fato e de direito. Presente a motivação empresarial extratributária, não se cuidando de atos ou negócios simulados ou de outra forma viciados, e havendo múltiplos caminhos que conduzissem ao resultado pretendido, não se pode desconsiderar aquele adotado pelo contribuinte ao único pretexto de se tratar do menos oneroso sob o aspecto tributário.
Relatório (…)
A Fazenda Nacional entende que os atos praticados pelo grupo econômico, especialmente, neste contexto, a subscrição de aumento de capital em que uma sociedade confere à outra a totalidade dos ativos produtivos, configura “claro abuso do direito de auto-organização”. Por sua ótica, essas subscrições, aliadas à opção pelo lucro presumido por parte da “ZZ”, seriam parte do planejamento abusivo organizado pelo Grupo “VV”, com a finalidade premeditada de postergar por mais um ano a tributação dos resultados das demais empresas pelo regime do lucro presumido. (…)
Voto (…)
As considerações da Fazenda Nacional quanto a negócio jurídico indireto, fraude à lei e abuso do direito de auto-organizar-se, conquanto respeitáveis, teriam bom lugar caso confirmado o propósito exclusivamente tributário para os eventos societários, conclusão da qual não comungo.
Concluo, assim, que as exigências correspondentes aos fatos geradores ocorridos em 2006 não poderiam ser lançadas como o foram. Os fatos geradores efetivamente ocorreram, e foram oferecidos à tributação pela “ZZ”, sob a forma do lucro presumido. Não encontro motivos válidos nem embasamento legal para desconsiderar a transferência de ativos pela via da subscrição de capital e atribuir a sujeição passiva pelos mesmos fatos geradores à “AA”, “BB” e “CC”.
Com estes fundamentos, voto pelo afastamento integral das exigências correspondentes ao ano-calendário 2006.
Passo, a seguir, ao exame das exigências correspondentes ao ano-calendário 2007. (…)
A detentora dos prejuízos fiscais e bases negativas de anos anteriores era a “ZZ”. Após os aumentos de capital já exaustivamente descritos ocorridos em 2006, subscritos pelas investidoras “AA”, “BB” e “CC” e integralizados mediante conferência de ativos, a “ZZ”, até então deficitária, passou a apresentar lucros, os quais foram parcialmente compensados, em 2007, com os prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas da CSLL de períodos anteriores.
Diante de seu entendimento de artificialidade e falta de propósito negocial das operações societárias, o Fisco considerou que teria ocorrido burla à vedação legal de aproveitamento de prejuízos fiscais da sucedida pela sucessora. (…)
A meu ver, não há provas nos autos da motivação exclusivamente tributária, a reorganização societária efetivamente ocorreu, e seus efeitos vão além da economia tributária. Ademais, não se cuidou nos autos de conduta dolosa, fraudulenta ou simulada. Apenas estas conclusões já seriam suficientes para garantir o afastamento das exigências correspondentes ao ano-calendário 2007.
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Multa e correção
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional analisou divergência entre órgãos da administração pública federal, inclusive com invocação ao Manual de Orientação para cálculos da Justiça Federal, quanto aos critérios de aplicação da multa de mora; especificamente se a base de cálculo do débito deveria estar ou não atualizada pela Selic.
Concluindo, a PGFN, com o mesmo entendimento da Receita Federal de que a multa de mora incide sobre o valor original do débito, sem correção; assim fundamentado:
Parecer PGFN/CAT 122/2015 (publicado em 3 de fevereiro de 2015)
9. A análise da evolução legislativa relativa às multas revela claramente que quando o legislador quis que a multa de mora incidisse sobre o valor atualizado do débito ele o fez de maneira expressa. (…)
10. Não por acaso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, a correção monetária, em matéria fiscal, é sempre dependente de lei que a preveja. (…)
11. Por todo o exposto, cremos que o critério adotado pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal esteja equivocado. Data maxima venia, a correta interpretação do art. 61 da Lei nº 9.430/96 deve ser buscada através dos procedimentos e instrumentos hermenêuticos tradicionalmente aceitos e postos à disposição do exegeta (interpretação gramatical, lógica, sistemática, histórica, teleológica, etc.), e não no referido manual.
12. Posto isso, concluímos, na esteira da manifestação da RFB consubstanciada na Nota Técnica 32-Cosit, complementada por nossas achegas, que:
(a) A base de cálculo da multa de mora a que se refere o art. 61 da Lei nº 9.430/96 é o valor original do débito, assim considerado o que é apurado na ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação;
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Decisões variadas
a) No Acórdão 9303-000.032 (publicado em 26 de fevereiro de 2015), a CSRF decidiu, quanto à contagem decadencial, que as infrações de controle aduaneiro de importação não têm natureza tributária, portanto não deve ser aplicado o CTN, mas a norma especial (artigo 78 da Lei 4.502/64), que inclusive prevê interrupção de prazo para lançar penalidade; assim ementado: “as infrações decorrentes da inobservância das normas de controle administrativo das importações de mercadorias estrangeiras, têm natureza administrativa e não tributária, e as correspondentes penalidades compartilham dessa mesma natureza. Por conseguinte, a elas não se aplicam as normas sobre decadência prevista no CTN, mas as específicas trazidas na legislação de regência das sanções relativas a esse controle das importações”.
b) No Acórdão 9303-003.168 (publicado em 20 de fevereiro de 2015), a CSRF confirmou que, para o Imposto de Importação, por não ser, por natureza, transferível para contribuintes de fato, não se aplica a restrição do artigo 166 do CTN, quanto à prova de não repasse a terceiros; assim ementado: “o Imposto de Importação não se constitui tributo que, por sua natureza, comporta transferência do respectivo encargo financeiro. O sujeito passivo do Imposto de Importação não necessita comprovar à Secretaria da Receita Federal que não repassou seu encargo financeiro a terceira pessoa para ter direito à restituição do imposto pago indevidamente ou em valor maior que o devido”.
c) No Acórdão 1102-001.182 (publicado em 12 de fevereiro de 2015), Turma do Carf apreciou causa em que esteve subjacente o princípio contábil da entidade, e sendo decidido que é dedutível na controlada a despesa da controladora, se essa despesa era necessária e não excessiva para a controlada; assim ementado: “são necessárias e usuais as despesas relacionadas à remuneração por garantia prestada pelo controlador na forma de fiança em contrato de empréstimo tomado junto ao BNDES, quando o mútuo está claramente relacionado com as atividades da empresa, e o pagamento se deu com base em taxas compatíveis com as cobradas no mercado”.
Fonte: Conjur