Seminário da ABRADT dentro da 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira amplificou discussões de temas relevantes da área à todas as esferas do Direito
A principal premissa de um sistema associativo é unir forças e potencializar sinergias. E foi exatamente imbuída desse espírito que a Associação Brasileira de Direito Tributário se juntou à Ordem dos Advogados do Brasil e promoveu, no dia 29 de novembro, dentro da programação da 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, o Seminário da ABRADT. Mais do que um espaço reservado ao debate tributário entre tributaristas, o Seminário amplificou discussões de temas relevantes da área à todas as esferas do Direito. “Foi uma simbiose: ao mesmo tempo em que trouxemos o debate das questões tributárias para o evento, tivemos a oportunidade de dialogar com profissionais que não são tributaristas, mas que também são impactados pelos temas abordados”, salientou o vice-presidente da ABRADT, Rafhael Frattari.
Organizado em quatro painéis, além das conferências de abertura e encerramento, o Seminário da ABRADT trouxe à luz alguns aspectos jurídicos tributários em debate já há muitos anos, como neutralidade, coisa julgada, não-cumulatividade, mas que ganharam ainda mais destaque com a iminência da aprovação da Reforma Tributária no Congresso. “Enfrentar essa reforma, com o desenho de sua lei complementar – possivelmente algumas – será de grande complexidade. Mas nosso maior desafio será a manutenção dos direitos fundamentais dos contribuintes, tão duramente conquistados”, sintetizou em sua fala o presidente da Associação, Valter Lobato.
A referência à defesa dos contribuintes encontrou eco nas apresentações de diversos palestrantes que passaram pelo Seminário. Em painel que teve como tema “Processo Tributário”, o professor Tácio Lacerda Gama fez críticas a uma filosofia maquiavélica do Fisco: “Ao deixarmos de lado os meios para alcançar os fins, deixamos de lado o próprio Direito”, pontuou. Já a advogada Maria Inês Murgel, no mesmo painel, classificou como absurda a postura da Fazenda de exigir a liquidação antecipada de seguros garantia, quando já é pacificado que tanto o seguro quanto a fiança bancária são garantias equiparadas ao depósito em espécie. Mesmo os próprios advogados, enquanto contribuintes, também encontram seus percalços nas relações com a autoridade fazendária, como exemplificou a professora Simone Rodrigues Costa Barreto em sua participação: “A relação jurídica contratual entre advogado e cliente é completamente diferente da relação processual que se estabelece entre o advogado e a parte vencida, a quem cabe o pagamento dos honorários de sucumbência. Não pode haver incidência de ISS nessa situação, mas esse não é o entendimento do Fisco.”
Seguindo na linha dos embates, a advogada Flávia Vilela Caravelli, que integrou o painel “Questões Controvertidas de Direito Tributário”, falou da divergência de entendimentos no que se refere a planos de previdência do tipo VGBL, considerados pela Fazenda como investimentos. Caravelli destacou que as decisões do Superior Tribunal de Justiça têm sido favoráveis aos contribuintes, no sentido de afirmar o caráter securitário desses planos, mas que a questão ainda está pendente de resolução no STF. E se poderia caber ao Judiciário a moderação na resolução desses conflitos, nem sempre é o que acontece na prática. “O que observamos é uma grande dificuldade de conciliação entre os interesses fazendários e a correta aplicação do direito, especialmente quando os tribunais superiores não adotam a devida cautela na definição de Temas que serão julgados e replicados”, ponderou a advogada Alessandra Brandão, que também participou do painel “Questões Controvertidas de Direito Tributário”. Ainda na análise do papel do Judiciário nas contendas tributárias, o professor Paulo Ayres fez uma enfática defesa da coisa julgada, evocando, inclusive, um artigo do professor Humberto Ávila intitulado “O Supremo respeita o Supremo?”: “Em 40 de carreira, o que percebi como o principal anseio de empreendedores não é, sequer, a diminuição da carga tributária, mas se saber as regras do jogo”, afirmou.
No painel que abordou “Temas controversos sobre tributos federais” os integrantes da mesa também repercutiram como a complexidade do sistema tributário brasileiro joga contra os contribuintes e como, nem sempre, as mudanças propostas vêm para trazer avanços. O advogado Guilherme Macedo exemplificou essa realidade ao tratar da incorporação mal-ajambrada do distinguishing, originário de sistemas de Common Law, no CPC de 2015, enquanto a advogada Letícia Tourinho Dantas criticou a proposta do novo regime de tributação de subvenções: “Esperava-se uma regulamentação do Governo sobre o tema, o que não se previa era que ela viesse de forma tão radical, como o proposto da MP 1.185/2023. É um verdadeiro retrocesso”.
Reforma Tributária
Mas se os problemas e desafios se somam, a Reforma Tributária que se avizinha não traz nenhuma luz no fim do túnel? Nesse ponto as opiniões se dividem um pouco. Entre os diversos palestrantes que passaram pelo Seminário da ABRADT, houve aqueles mais otimistas e outros que preferem esperar para ver. No que se refere à neutralidade, o advogado Paulo Duarte se somou ao time dos que decidiram acreditar: “Hoje, no Brasil, não temos imposto sobre o consumo ou neutralidade. Com o novo sistema funcionando, isso vai começar a existir, o que mudará não apenas a forma de pagar tributo, mas toda a estrutura empresarial”. Opinião similar à do advogado Janir Adir Moreira sobre o princípio da não-cumulatividade: “A garantia da não cumulatividade na atual Constituição é uma grande mentira. Como pilar central da reforma tributária, há chances de que se concretize, desde que não haja empecilhos nas leis complementares”.
No grupo dos menos otimistas, o advogado Marcelo Jabour chamou a atenção para o fato de a reforma manter intacta a questão da substituição tributária prevista no parágrafo 7° do art. 150 da Constituição Federal, que hoje acarreta uma série de problemas vivenciados pelos contribuintes. Já a advogada Luiza Machado lamentou a oportunidade perdida de avanço em questões de igualdade de gênero e raça na tributação: “Alguns artigos com essa perspectiva não duraram 24 horas no texto da reforma”, explicou. Contudo, a advogada também celebrou algumas conquistas, como a acréscimo no Senado do conceito de igualdade de gênero entre os critérios de análise dos impactos da tributação.
Encerrando as falas expositivas do Seminário da ABRADT, coube então à sua presidente honorária, professora Misabel Derzi, a difícil tarefa de determinar para que lado da balança – se positiva ou negativa – pende a Reforma Tributária. “Quem não quer um sistema tributário mais simples? Sim, há mudanças para melhor. A não-cumulatividade é a alma do projeto. Por outro lado, temos figuras como substituição tributária e isenções no meio da cadeia que quebram a lógica da neutralidade. Eis o grave quadro que se aproxima: uma reforma que não atua para reduzir as profundas desigualdades regionais em nosso país”, concluiu.
Projeto para 2024
A grande presença de público no auditório da ABRADT dentro da Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que lotou o Expominas, em Belo Horizonte, comprovou a acertada estratégia, liderada pelos professores Valter Lobato e Misabel Derzi, de associar o seminário ao evento da OAB Nacional. “Foi com grande orgulho que a ABRADT se integrou ao maior evento jurídico do mundo”, sentenciou o presidente da Associação. Isso, porém, não limitou os planos da entidade para o seu tradicional congresso. Valter Lobato já adiantou ao público presente que a próxima edição do Congresso da ABRADT será realizada no primeiro semestre de 2024.
Veja as Fotos do Seminário: