A Fazenda Nacional, esquivando-se dessa alegação, construiu o entendimento de que o lucro tributado no Brasil não representaria lucro da empresa no exterior, ou dividendo presumidamente distribuído, com tributação restringida nos tratados, mas, sim, o acréscimo patrimonial na empresa brasileira detentora do investimento. Sendo o lucro tributado dela (empresa brasileira) e não da residente no exterior, não infringiria os tratados. Haveria apenas a dupla tributação econômica e não jurídica.
A lei trouxe uma roupa nova para um boneco velho e acrescentou alguns remendos para atualizá-lo
Mais recentemente, com a promulgação da Lei nº 12.973, de 2014, o tema novamente veio à tona: a interpretação equivocada da Fazenda foi legalmente reconhecida. De acordo com a nova legislação, é a parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior, equivalente aos lucros por ela auferidos, que deverá ser computada, a cada ano, na apuração do IR e da CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil.
Para o cômputo desse “ajuste”, foram reconhecidas algumas possibilidades. Até 2022 será possível a consolidação dos resultados auferidos no exterior por mais de uma controlada e o pagamento diferido dos tributos sobre o resultado considerado na apuração da pessoa jurídica controladora. Continua a vigorar a dedutibilidade dos tributos pagos no exterior e a compensação dos prejuízos incorridos pela empresa controlada no exterior com lucros futuros dela. Adicionalmente, foram previstas deduções de ajustes de preços de transferência e de subcapitalização nas operações com controladas que tenham os seus lucros reconhecidos e tributados no Brasil. Somam-se a estas algumas outras possibilidades.
Mas no que a “nova” legislação inovou no debate que estava instaurado quanto à tributação dos lucros auferidos no exterior? Em nossa opinião, ela trouxe uma roupa nova a um boneco velho e acrescentou alguns remendos para “atualizá-lo”. Manteve o regime de tributação anual no Brasil de todos os lucros auferidos no exterior por empresas controladas, independentemente de qualquer abuso na utilização de estruturas internacionais; continuou não permitindo a compensação dos prejuízos auferidos no exterior com os lucros da empresa brasileira – já que há o acréscimo patrimonial, deveria haver o decréscimo -; e, em decorrência da infeliz legislação pátria de tributação sobre lucros no exterior, criou algumas possibilidades que, aliás, sempre deveriam ter estado ao alcance dos contribuintes. Praticamente se limitou a fazer ajustes e questionáveis.
A Lei 12.973 remodelou uma falsa impressão de norma antielisiva. Ao longo dos artigos que disciplinam a matéria, pode-se observar delimitações quanto à residência da controlada em países de tributação favorecida, regime fiscal privilegiado, ou com subtributação; restrições referentes à porcentagem de renda própria e, até mesmo, a existência de tratado ou ato com cláusula específica para troca de informações. Suas definições, similares ao que seria o norte das normas CFC (normas antielisivas aplicáveis a empresas controladas no exterior) dos demais países, não se aplicam, porém, para a determinação da tributação das controladas no exterior no Brasil, como nestes, mas apenas para a prerrogativa de algumas possibilidades, já que o lucro sempre deverá tributado no país.
Ao desconfigurar o que deveriam ser as normas CFC, a legislação reconheceu a sua incongruência com as demais medidas antielisivas, que deixaram de fazer sentido no caso específico de empresas controladas: caso da legislação de preços de transferência e de subcapitalização. Confirmou, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica das controladas diretas, seja por tributar os seus lucros, ou, pior, os lucros de suas controladas (controladas indiretas) diretamente.
Talvez a única real inovação trazida pela legislação tenha sido a de reconhecer uma característica extrafiscal ao IR e à CSLL incidentes sobre os lucros auferidos no exterior. A depender da atividade exercida pela controlada no exterior será possível uma dedução de até 9% a título de crédito presumido sobre a renda.
Nos impressiona a facilidade que o Brasil tem de transplantar institutos de direito tributário internacional e lhes conceder uma roupagem nova, com interpretação e aplicação dispare de todos os países que deles se utilizam. Não há boa-fé ou respeito ao pacto contratual. A Lei 12.973/14, além de manter um regime conflitante de tributação, conserva a ilusão de uma norma antielisiva inexistente. O resultado? As discussões quanto à aplicabilidade dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação fatalmente persistirão.
Fonte: Valor Econômico