Por Sacha Calmon
O Brasil, avançamos aos trancos na construção do país. Finalmente foi aprovado o novo Código de Processo Civil (CPC), embora tarde, a reformulação do Direito e da Justiça do Trabalho, a pesar demais, com a tributação sobre receitas brutas e consumo, no já elevado “custo Brasil”, tornando impossível dar “competitividade” ao produto nacional (salários, contribuições, impostos, energia, combustíveis e transporte são custos).
O novo CPC traz inúmeras novidades simplificadoras e práticas. A maior delas, de incomparável alcance, foi a equiparação a dinheiro de contado da fiança bancária e do seguro-fiança.
Como é sabido, no direito existem três tipos básicos de processo, a saber: o cautelar, o de conhecimento ou cognição e o de execução ou executivo. O primeiro é preliminar e visa organizar o estado das partes e das provas. Suponha-se que um casal vai se separar contenciosamente e tem filhos. Seriam medidas cautelares a separação de corpos (que antes partilhavam o tálamo conjugal) e alimentos provisórios para os filhos e, eventualmente, para um dos cônjuges, por estrita necessidade. Outro exemplo seria a vistoria ad perpetuam rei memoriam, ou produção antecipada de provas. Um apartamento mina água no outro quando chove. Para assegurar a prova técnica, faz-se uma perícia prévia nos imóveis para a memória do fato alegado e da sua causa, motivo para sanar o defeito e indenizar a parte prejudicada.
No processo de conhecimento, o juiz vai se apropriando, em diversas etapas, dos fatos e das provas ao longo do seu desenrolar para, finalmente, dizer o direito a quem o tiver, seguramente uma das partes em litígio. A jurisdição vem daí, de “dizer o direito”, função do Poder Judiciário. Pode ocorrer, entretanto, que a sentença seja ilíquida. O juiz diz o direito, mas não o valor da condenação. Será preciso liquidar a sentença para se chegar a uma quantia certa. Se a parte perdedora não pagar, abre-se o processo de execução, cujo objetivo é realizar o direito obtido no processo de conhecimento.
Entretanto, a execução que começa com a penhora dos bens de devedor, dinheiro em primeiro lugar, em prol da parte exequente (o vencedor da lide no processo de conhecimento), nem sempre depende de uma sentença de mérito num processo de conhecimento (título judicial). Outros títulos chamados de “extrajudiciais” podem ensejar diretamente um processo de execução e constranger o patrimônio do devedor que não honra os títulos. Esses são quase sempre os “títulos de crédito”, não pagos no vencimento, como cheques, letras de câmbio, promissórias. O direito é pré-constituído por vontade das partes, tornando desnecessário o processo de conhecimento. O título extrajudicial impõe-se por si mesmo.
A esta altura, volta à balha, como diz o ministro Marco Aurélio, a equiparação a dinheiro das fianças bancárias e seguros-fiança, fazendo desaparecer as odiosas penhoras on-line nas contas bancárias dos contribuintes brasileiros. Agora, a explicação da evolução que isso significa. O dinheiro dos empreendedores que geram valor na economia, correndo o risco dos negócios, pode ser apropriado pelos fiscos federal, estaduais e municipais, a partir de certidões de dívida ativa, que são títulos extrajudiciais construídos, majoritariamente, de modo unilateral pelas Fazendas Públicas. A apreensão do dinheiro depositado pelas empresas pode atrapalhar seus fluxos de pagamentos. Muita vez, o dinheiro destina-se ao pagamento de fornecedores, salários, matérias-primas, investimentos etc. Chega a Fazenda Pública, sem prévio aviso, e transfere para o seu caixa o dinheiro dos particulares, no bojo das chamadas “execuções fiscais”. Agora, com a equiparação, as empresas poderão oferecer em penhora cartas de fiança bancária e seguros-fiança, que se tornarão mais baratos, ao mesmo tempo em que as empresas se livram da violência inusitada da penhora on-line feita eletronicamente (Convênio Banco Central-Poder Judiciário ou bacen-jud).
Além disso, a medida vem minorar a discrepância entre o Estado poderoso, que cobra seus pretensos créditos tributários e parafiscais com extrema rapidez, mas, no entanto, não paga seus precatórios (títulos de dívida líquida e certa expedidos pelo Judiciário em favor dos particulares), vez que os bens públicos são impenhoráveis. O resultado é que esperamos anos a fio pela boa vontade do devedor estatal. A equiparação é justa e civilizatória e põe termo à voracidade tributária do fisco brasileiro.
A medida é justa e agradou os mercados. Quem não gostou foi o Estado, pois, tão logo se faziam as penhoras on-line, ele se apropriava dos valores, que perdiam sua função de garantir o juízo. A “boquinha” acabou. Prevaleceu a equidade. Parabéns ao Congresso Nacional, a casa do povo.
Fonte: Estado de Minas